segunda-feira, maio 16

Uma lição à Benfica.



Quando em Outubro passado o Benfica perdeu o dérbi lisboeta por três golos, na Luz, mandei a toalha ao chão. Ao início fraco do Benfica, os mais directos adversários respondiam com vitórias e sem piedade. E eu, ainda mais fraco, desisti, logo ali.

Rui Vitória não me inspirava confiança e o clube parecia à deriva. A equipa dirigente mostrava o nível habitual e apenas os jogadores, com grande destaque para Gaitán e Jonas, davam alguma cor a tão grande desânimo.

O Benfica, e os benfiquistas, pareciam definhar neste primeiro terço da época. O futebol era de repelão, de emoção, de desnorte guiado apenas pela qualidade de alguns jogadores.

Na Europa, contudo, o Benfica mostrava uma alma e uma qualidade maior. Parecia que era naquele palco que a equipa melhor se libertava das amarras do passado recente. Uma extraordinária vitória em Madrid colocou a equipa nas primeiras páginas dos jornais. O Benfica começava a renascer, sob a bitola da maior prova de clubes do mundo. Era um sinal.

O segundo terço da época foi, sem dúvida, o melhor. Às constantes lesões de jogadores-chave e outras ausências Rui Vitória respondia com coragem e mestria. Primeiro Guedes, depois Semedo, Lindelof, Renato e, finalmente, Ederson. Meia-equipa.

A equipa jogava bom futebol, arrasava adversários internos e despachava o campeão russo com duas vitórias saborosíssimas, alcançando os quartos-de-final da Liga dos Campeões, com muitos milhões no bolso.

Na equipa, Jonas mantinha um elevadíssimo rendimento, Pizzi estava no seu melhor, e Carcela aparecia a tapar as ausências de Gaitán. Renato já era dono do meio-campo encarnado e no ataque, frente ao Estoril, Vitória juntou o ponta-de-lança brasileiro ao grego Mitroglou, para uma dupla letal, sempre coadjuvada pelo mexicano Jiménez, cujo passe ficou pago com os golos e exibições frente à Académica, Rio Ave, ou Zenit, por exemplo.

A perseguição ao líder era feroz, e a equipa respirava saúde e não vacilava. Saía Samaris, entrava Talisca. Entrava Fejsa, saía Almeida. E assim continuou até ao dérbi mais importante da época. Saiu Júlio César e entrou um puto que, apesar das boas indicações na Taça da Liga, acabou por ser a última peça de um tabuleiro defensivo profundamente alterado em relação à época passada.

Esta era já uma hora de confiança. A paixão leva sempre a melhor e, com a liderança a uma vitória num campo onde habitualmente se vence, a onda encarnada renasceu com uma força imparável.

Na Europa, mais dois jogos altamente desgastantes. Os benfiquistas dividiam-se: havia quem achasse que o acumular de competições nas pernas era um factor de motivação e havia quem achasse que o desgaste de tanta intensidade ser-nos-ia fatal na prova maior nacional. Obviamente, eu estava no segundo grupo. A minha crença era muita mas precisei de levar mais umas chapadas do Benfica para acordar para o que estava a acontecer todas as semanas.

A prestação europeia terminou com dignidade, perante uma das melhores equipas do mundo, liderada por um dos três melhores treinadores do mundo. Um estádio cheio despediu-se da Europa dos grandes e a equipa vestia o fato de macaco para o que restava do Campeonato Nacional.

Último terço da época. Sofrimento. Alegria imensa. Um amor arrebatador e uma paixão lancinante. Que lição me deu o meu Benfica. O Benfica, que acordou do pesadelo do início de época bem antes de mim, mostrou-me o que é o Benfica. Mostrou-me a imensidão que há na sua história feita de glória. Mostrou-me de que são feitos os homens que conhecem o Benfica por inteiro.

Na sua grandeza, o Benfica deixou-me entrar para os últimos dez minutos, sem espaço para rancores, sem espaço para lições de moral. Deixou-me entrar para me sentar nas bancadas, para poder gritar “Benfica!” e abraçar todos os golos do Jonas.

Pronto. Já tinha o Benfica dentro de mim, outra vez. Já podia ser feliz, outra vez. Já podia tudo, outra vez.

Jogo da época, no Bessa. Muitas alterações e ainda mais lesões. A equipa jogava mal, talvez o pior jogo dos últimos 30. Os boavisteiros não davam tréguas. O Benfica parecia incapaz de crescer naquele relvado. Mas já havia Benfica dentro de mim. Havia aquela esperança absurda num golo ainda mais absurdo. Havia um passe tenso de Eliseu, um toque de cabeça do improvável Carcela e um pé de gelo de Jonas. Havia golo e um sonho que se começava a viver.

Despachado o Braga, voltámos a jogar fora. Em Coimbra, contra uma equipa que jogou no limite. Fechada a sete chaves. E ainda por cima adiantada no marcador no único remate que fez em 90 minutos. Mas deu Mitro e deu Jiménez. Deu a volta e deu Benfica, numa exibição muito competente, depois da visita à Alemanha.

De volta à Luz. A nossa vida já era isto. Passar a semana sem querer saber bem como. Esperar pelo jogo, à sexta, ao sábado, ao domingo ou à segunda-feira.

Em meia-hora frente aos sadinos, e depois do último jogo europeu, fizemos mais do que em jogos inteiros do primeiro terço da prova. Futebol louco, oportunidades, malabarismos e golos. Uma segunda parte de nervos, acabou bem, porque o Benfica já merecia o melhor. Eu, pelo menos, dava o meu melhor, sentado no meu lugar. No lugar que o Benfica me devolveu.

Vila do Conde. Jogo difícil contra mais uma equipa muito capaz a fechar todos os caminhos da sua baliza. Valeu-nos o Benfica, caraças. Valeu-nos um conjunto de jogadores e treinadores cheios de brio, dedicação e paixão. Faltou-nos Jonas e Gaitán, com o pé direito e com o pé esquerdo, de frente para a baliza, mas selámos os três pontos com a cabeça do mexicano que grita sempre “bamos, bamos!”.

Vem aí o Guimarães, vai de goleada! Estamos em grande, nesta altura. Os estádios rebentam de benfiquismo, a equipa rebenta de benfiquismo. E o Benfica observa, ao longe. Pés na terra, camaradas.

Um-zero chegou. Golos falhados pelo nervosismo que aumentava a cada passe. Passes errados pela pressão sobre os ombros de putos de vinte e poucos anos, de dezoito anos, titulares feitos à pressa, mas cheios de Benfica, sim.

Já só se queria, eu já só queria, o campeonato. Mas o Benfica olhou de lado para mim e perguntou-me: mas vais desistir, outra vez? Um lugar na final na Taça da Liga é para ganhar. Carrega Jonas. Carrega, Benfica!

Vamos à Madeira. Vejo preços e pondero viajar. Infelizmente, não posso mesmo ir. Mas o Benfica anotou o meu pensamento e escreveu no meu cachecol: “Vê-me onde quiseres. Mas vê-me”.

Finalmente o Benfica dizia-me que precisava de mim, outra vez. Que precisava dos benfiquistas, todos, os que foram iguais a mim há seis meses atrás e mandaram também a toalha ao chão.

Com dez, por expulsão do fascinante Renato Sanches, a equipa continuou com 11. Nós jogámos aquele jogo. Eu fui à Madeira e ajudei o Mitro e o Talisca, e o resto da malta toda.

Fiquei à tua espera, nessa noite, Benfica. Peguei no meu telemóvel, deixei a minha namorada aniversariante sozinha mas compreensiva, e sozinho fui ver-te aterrar no Aeroporto, às duas da manhã. Tenho o vídeo! E tive frio!

O resto foi ontem. Foi hoje. Foi amanhã e será para todo o sempre. De ti, do Benfica, nunca se desiste. Pode não haver uma segunda oportunidade.

Para terminar: muito obrigado, Benfica, e muito obrigado ao Miguel e ao Peyroteo por me terem convidado para este SectorB32 há muitos anos atrás. Foi um prazer imenso e só levo coisas boas deste espaço porque é assim que tem de ser. Um abraço também aos outros: Gonçalo, Jorge e Marco, que aventura, esta.

A felicidade que sinto neste momento é indescritível. Viva o Benfica!

12 comentários:

  1. Lindo texto! Apesar de tudo, o sentimento que se tem pelos clubes não se consegue explicar. Seja Sporting, Benfica, Porto ou outro qualquer. Também é isso que nos leva a cometer alguns excessos ou a ficar cegos em algumas discussões mas é futebol e "apenas" isso. É o clubismo a falar mais alto!
    Já agora, parabéns pelo título! Eu não gostei mas se um grande amigo está feliz, eu também estou
    Abraço!

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  2. Os meus parabéns aos benfiquistas.
    Uma vitória será sempre uma vitória e vice-versa.
    Festejei poucos titulos, mas foram todos muitos bons.
    E para o ano estou certo que seremos nós a festejar!:)

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  3. Parabéns pelo título. Boa crónica, Espero que este regresso seja para durar, como cliente regular é 1 prazer ter—te por cá e verdade seja dita que estas últimas semanas o sector perdeu 1 pouco o brilho com as vossas saídas.
    Abraço

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  4. O Benfica ganha mais um título mas a blogoesfera benfiquista perde um dos seus melhores.

    Este texto é qualquer coisa...ao lê-lo ía recordando o nosso caminho ao longo do campeonato, as nossas conversas, o nosso sofrimento que culminou sempre com estas alegrias. O teu "golo" antes de ver Jonas a meter a redondinha dentro da baliza do Boavista foi qualquer coisa de assombroso. As lágrimas inundaram os olhos.

    Hoje, na descompressão pós vitória mais saborosa de sempre, tenho que agradecer. Agradecer o que aturaste com o meu eterno pessimismo, agradecer as tuas palavras de confiança, a tua crença.

    Somos campeões, tu és campeão.
    Agora é desfrutar!!!
    CARREGA BENFICA!!!

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    1. Belo post! Abraço, Luís!

      Parabéns à rapaziada benfiquista do blog - os que postam e os que comentam. E parabéns aos sportinguistas pela excelente Liga.

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  5. Um dos melhores textos que li sobre futebol nos últimos anos. Não poético, simplesmento sucinto.

    Obrigado luis.

    Eu espero que tu não desistas, porque tu és Benfica e o Benfica não desiste.

    Obrigado também aos adversários que, finalmente e depois de algumas horas de descompressão, conseguiram dar-nos os parabéns sem os erros ortográficos hipoteticamente resultantes de algumas teclas comidas nos últimos tempos.

    Benfica.

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  6. Uma palavra: Brutal!!!!
    Só mesmo um texto deste nível ma fez voltar à caixa de comentários mais cedo do que planeado!!!

    Parabéns Benfica. Parabéns Luís!

    Recorda-te do mail que me escreveste, quando eu quis desistir. Agora aplica-se a ti. Como diz o LDP: "tu és Benfica e o Benfica não desiste". A Aventura pode continuar, depende da vontade de todos.

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  7. O Luis estava inspirado. Deve ter sido depois de ver este video: https://www.youtube.com/watch?v=MF9m6cwWmuQ

    he he he !!

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  8. Um abraço Luis, até sempre !

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  9. Grande, muito grande, luis. Não desapareças.

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