quinta-feira, dezembro 2

Comunicação Social e o Futebol

Vivo há três anos em Espanha e leio habitualmente a imprensa desportiva catalã. Não é dificil de perceber a linha editorial do “Mundo Deportivo” e do “Sport”: tudo o que se refere Barça é sublime, magnânimo, fantástico, tudo o que é do Real Madrid é exemplo da prepotência, arrogância, anti desportivismo, etc. É dificil encontrar blogs mais parciais do que estes jornais de Barcelona, mas possível. Nos jornais de Madrid, os papéis invertem-se (Real é o bom, Barça é o mau), apesar de tanto a “Marca” como o “As” reconhecerem méritos à qualidade do futebol do Barça (também era dificil não o fazerem). Um exemplo desta dualidade de critérios foi a forma como se descreveu o lance polémico entre Guardiola e C.Ronaldo que causou escaramuças entre as duas equipas, no último clássico. Para a imprensa catalã, o CR7 empurrou sem justificação o treinador do Barça e deveria ter sido sancionado, para a imprensa de Madrid foi Pep o provocador ao não devolver a bola ao português e ao atirá-la para o lado. Caso fossem Mourinho e Messi os protagonistas, ninguém duvida que a análise seria feita ao contrário.

Cheguei a pensar que o código deontológico do jornalistas em Espanha não existia, ou a existir, seria bastante diferente do português, porque não é apenas em textos de opiniões que se notam estas posições parciais de ambos nos jornais. É também nas capas de jornais e nas notícias ou crónicas de jogo. Diferenciar actualmente os jornais desportivos espanhóis de propraganda é muito dificil, para não dizer impossivel. Mas afinal existe mesmo um código deontológico de jornalistas que inclui “respeito à verdade”, “objectividade”, “diferenciar opinião de informação”. Não deve é exisir grande controlo sobre o respeito a este código.

Ao ler a imprensa portuguesa, ainda assim considero que não chegámos ao (mau) nível da imprensa de Espanha, mas para lá caminhamos. Um exemplo disto mesmo, foi a capa de jornal vergonhosa feita pelo “Record”, a seguir ao jogo contra o Hapoel, num tom trocista e baixo gozava directamente com Jorge Jesus. Já vi muita capa de jornal ridicula em Portugal, mas não me lembro nenhuma deste género. Digna da campanha que a Marca fez para denegrir a imagem de Pellegrini no ano passado, pelos maus resultados no inicio de época (falando na Marca, o pior editor de jornal da história trabalha neste jornal).

Depois de uma vitória num campo dificil e sem grandes sobresaltos, o jornalista da TVI destacado para fazer a flash interview resolveu picar Saviola e Jesus com perguntas não relacionadas com o jogo e sobre o alegado mau ambiente na Luz. Se o primeiro ignorou a pergunta e disse algo que traduzido para português seria “eu quero é ser feliz a jogar à bola”, já o segundo apenas conseguiu responder com calma da primeira vez. Como o jornalista não queria sair dali sem uma declaração polémica voltou a insistir no mesmo tipo de perguntas, ao que o Jesus apenas rispostou se estava ali para fazer perguntas do jogo ou outras. O jornalista arrogantemente diz “quem faz aqui as perguntas sou eu”. O JJ não é exactamente um tipo diplomático, então despediu-se com um “tchau”, dando assim satisfação ao jornalista sedento de polémica.

É pena que os jornalistas cada vez menos sejam quem transmite a noticia e cada vez mais quem faz a noticia, em busca de audiências, vendas de jornais ou o que for. E há várias formas de a fazer: inventar noticias, provocar ou ou descontextualizar os entrevistados por exemplo.

22 comentários:

J. disse...

Concordo plenamente com o teu post. Mas não sei se será o Benfica o maior prejudicado nesta história toda.MAs cada vez mais se nota uma "cor" editorial nos principais jornais desportivos.
Há quem lhe chame interesse comercial, não sei!

Para mim, se quero falar ou ler sobre bola venho aqui ao Sector, ao Norte de Alvalade,ao 442 ou ao Magicos SLB quando o Benfica perde.
:-)

Iniesta de Mundet disse...

Acaba por ser o Benfica o mais prejudicado, porque o Benfica é o que vende mais.

Sim, chamam-lhe interesse comercial. Eu chamo-lhe prostituição ética.

Pedro disse...

"ou ao Magicos SLB quando o Benfica perde."

Ei...pensava q eras leitor assíduo!!!
:)

J. disse...

Este ano Pedro, tenho sido mais assíduo!!!
:-)
Mas era só uma pequena provocação!!!

jvl disse...

Completamente de acordo com o post. A justificação que o jornalista dá depois do Jesus se ir embora é completamente ridícula. Das coisas mais parvas que há na flash-interview, são as perguntas que nada têm a ver com o jogo que acabou de ocorrer.

O Harry Redknapp tem uma saída também muito boa quando lhe dizem que ele é "wheeler-dealer" ou algo do género. Está no youtube. :D

http://www.youtube.com/watch?v=fulsHPpBr1U

J. disse...

Sir Harry Redknapp, esta entrevista em directo é do melhor...
http://www.youtube.com/watch?v=4MrWS0bZqsY&feature=related

pedro m disse...

"cada vez menos sejam quem transmite a noticia e cada vez mais quem faz a noticia" -

sem duvida alguma, o jornalismo está uma autentica vergonha.
O palermoide da TVI ainda se saiu com uma prá Benfica TV.

Obviamente somos os mais prejudicados, o Oliveira controla Sportv, OJogo, já anda metido no Record e em breve chegará á Bola.

O Rui Santos luta pelo tacho, e a TVI só falta porem lá a manuela moura guedes a fazer flash interviews.
Os comentários aos jogos são de imbecilidade chocante.

Marco Morais disse...

Como os jornalistas têm um código deontológico não me ficaria bem comentar a maior parte do post, e, assim sendo, só digo que gostaria de viver há 3 anos em Espanha como o nosso Iniesta de Mundet.

E se ainda não te dei as boas vindas ao sector, aqui te as endereço desde já. Seja muito bem vindo! :D

Agora mais a sério, não nos podemos esquecer que hoje em dia, não só o jornalismo, tudo vive de números - ou euros, como quiserem. Por cá, o Record, A Bola, ou O Jogo fazem o que fazem, bem ou mal, para realizar dinheiro ou passar mensagens que lhes garantam... dinheiro.

É impossível um jornal não tomar partidos e por isso é impossível um jornalista não tomar partidos. Por cá as linhas estão bem definidas e enquanto forem as que mais rendem, assim continuarão a ser.

Mas, obviamente, tá mal! mas tá mal pelo meio ou pela audiência?

pedro m disse...

Marco não é verdade o que dizes, só a titulo de exemplo a sportv é vergonhosamente tendenciosa e não consigo perceber quantos euros a mais ganham com isso (isto claro partindo do principio que nem vou discutir a questão que pelos euros vale tudo).

Existe sim uma clara estratégia de domino da comunicação social por parte de Joaquim Oliveira alicerçado nos interesses de um clube de futebol.

E não me chocam essas diferenças entre a marca e o mundo deportivo, só não tou a ver é o presidente do real ou do barcelona a combinarem noticias de jogadores a ameaçarem abandonarem a selecção como forma de pressão para a redução de castigos.
Tendenciosos podem ser, grunhice deste calibre em altos responsáveis já duvido (foi isto que pacientemente expliquei a um portista na 2ªF que não me deixava ver o jogo em paz e queria fazer daquele derby espanhol, um derby português).

Iniesta de Mundet disse...

Marco

O objectivo de qualquer empresa é o lucro, por isso é legítimo que um jornal queira aumentar as suas vendas.

A questão é: vale tudo para aumentar as vendas, inclusive abdicar de um minimo de isenção e objectividade? Só se consegue fazer notícias inventando ou especulando?

É assim tão impossível ter um jornal desportivo credível que dê lucro? (em Espanha parece que sim, gostava de acreditar que Portugal não vai pelo mesmo caminho).

Anónimo disse...

Iniesta: A objectividade jornalística é um mito ainda maior do que o cristo-rei.

Enquanto as pessoas não aceitarem esta evidência la palissiana, não vão entender que haja duas pessoas que vêm o mesmo e mesmo assim, têm interpretações diferentes.

J. disse...

Sim Luis, obviamente que é impossivel ser objectivo a 100%.
Mas daí a marcar deliberadamente uma linha editorial vai uma grande distância.
Em Espanha é impossivel ler um jornal desportivo. Muito fraco!!!

Anónimo disse...

Não conheço os jornais espanhóis. Contudo, não me ofende que cada um assuma uma quase exclusividade para com um clube.

No fundo, funcionam como veículos oficiais, não me parece que venha daí grande mal ao Mundo.

O mais importante será responder à pergunta levantada pelo Iniesta: É assim tão impossível ter um jornal desportivo credível que dê lucro?

Mesmo que o "credível" seja algo demasiado abstracto.

Eu, pela realidade que conheço, penso que será muito complicado. Basta ler os comentários do record para se perceber que tipo de pessoas lê os conteúdos. Quando falta bom-senso e o mínimo de civismo às pessoas, e são essas pessoas que consomem...

Iniesta de Mundet disse...

Luis.

Claro que duas pessoas podem ter opiniões diferentes sobre temas subjectivos. Mas a questão de se estar "formatado" para ter uma atitude perante um facto conforme as cores presentes é exarcebada aqui em Espanha.

Por exemplo num jornal generalista de esquerda, acho natural que seja pró-greves e num de direita contra. Cada um apresentará argumentos que podem ser debatidos.O que acontece nos jornais desportivos espanhóis é que não existe uma linha condutora de valores, para além de "se foi o meu clube que fez, é porque tá bem feito". Não se debate nada com um minimo de lógica, pois num dia defende-se uma coisa, no dia seguinte defende-se precisamente o contrário.

Eu acho que é possível fazer um jornal desportivo credível que venda, é é mais dificil, porque dá trabalho.

Peyroteo disse...

Se tivesse dinheiro, fazia um jornal desses.

Anónimo disse...

De acordo, Iniesta, mas não penso que seja uma questão de trabalho. Aliás, assim como estão até dá mais trabalho, se pensares bem, pois têm de ter preocupações que não deviam.


Como diz o Peyroteo, resume tudo simplesmente: se tivesse dinheiro para estoirar, fazia um jornal credível. Se tivesse dinheiro para estoirar.

J. disse...

Eu se estivesse dinheiro para estoirar era presidente do meu clube.
E fazia muito melhor que este JEB...

Iniesta de Mundet disse...

Tudo a apostar no Euromilhões hoje (nem sei quanto é que é o prémio).

Marco Morais disse...

Iniesta,

Acho que antes de se "estudar" o tipo de enquadramentos dos jornais se deveria estudar as audiências. Isto para quem discute esta questão, porque para os jornais ela não existe. Eles conhecem a sua audiência melhor que ninguém.

O Record é o mais vendido, a TVI é a mais vista. Há sempre O Público e a RTP2. Que os meios que têm preponderância no país não vos agradem, não é um problema dos meios mas sim do próprio país.

Acho praticamente impossível existir um jornal que siga interesses éticos, num país onde a ética é só uma palavra que fica bem dizer.

O teu jornal credível poderia ser, para mim, um "pasquim" e vice-versa.

Mas também acho que as pessoas se deixam levar um pouco pelas capas ou pela conotação que um jornal tem. A eles é lhes impossível fugir a ela. Nós, de tudo, inclusive blogs, devemos seleccionar aquilo que entendermos melhor.

O Público, que é dos melhores jornais de Portugal, não dá lucro e só ainda existe porque a alguém lhe convém. Não há como fugir a isso ou tu admitirias ser dono de um jornal que escreve algo contra a tua ideologia?

P.S. Isto tudo porque o diretor do Record não me deixa escrever "golaço"... =)

João Simões disse...

O que dizem da lista de candidatos à Equipa do ano UEFA?

O Anti Lampião disse...

O apito encarnado continua bem vivo
http://oantilampiao.blogspot.com/2010/12/moretto-resolve.html

Iniesta de Mundet disse...

Marco

Não deu para responder antes, mas levantaste muitas questões pertinentes e dificeis de discutir num blog.


Comentando apenas o final:
-Acredito que o Publico tenha prejuizos, mas o "24 horas" fechou, por isso há que ter esperança!

-Não digo que não possam haver jornais que defendam uma ideologia, não se pode é perder a coerência, nem o sentido do ridiculo (mais uma vez a faço referência aos jornais desportivos espanhois)