sábado, janeiro 26

"Quê o tradutor do Bobby vai treinar o Benfica?!"

Foi assim que a minha ingénua adolescência recebeu a chegada de José Mourinho para o primeiro desafio da sua carreira. A fase da vida em que pensamos que sabemos tudo só 'porque sim' estava prestes a levar uma bofetada da vida pelas mãos do jovem técnico 'sadino'.

A passagem pelo Benfica correu mal, mas não deixou o técnico na lama. Com uma vitória sobre o eterno rival e com uma produção futebolística a subir, Mourinho deixou água na boca aos benfiquistas e colocou a dúvida nas suas mentes quando Manuel Vilarinho o escorraçou em detrimento de Toni. O célebre 'agarrar ao passado' encarnado fazia o seu novo presidente cometer, logo à partida, o seu maior erro.

Mas ainda era pouco para a minha mente adolescente. Mourinho ainda não era mais que o tal 'tradutor' que me fora pintado em tudo o que lia. A intuição estava coberta de manias e bloqueios adolescentes e, para um amante de Championship Manager, José Mourinho tinha de provar mais. O antigo membro da equipa técnica de Bobby Robson também o sabia e rumou a Leiria para uma caminhada sensacional pela primeira volta da época 2001/02.

Esta era uma altura de indefinição portista e a carreira de Mourinho contrastava com a sensação perdedora que Octávio Machado imprimia no FC Porto. Depois dos títulos de Sporting e Boavista, o clube estava como um tubarão virado ao contrário. Adormecido, imóvel, inofensivo e com um líder que já disparatava pelas salas de imprensa, o clube tinha de ser salvo e começou por sê-lo logo pela mão de quem está lá sempre para a missão. Outros vieram e sempre partiram, mas este ainda hoje lá está para o que der vier.

Pinto da Costa viu em Mourinho o empurrão que o clube precisava e o garoto que o apelidou de mero tradutor estava contente. Primeiro que tudo, Octávio não era mais treinador do seu clube e, segundo, o clube tinha contratado o homem que colocara o Leiria à frente do seu FC Porto. Ora, isto para quem jogava CM contava muito...

Daí à célebre frase que garantia um título foi um saltinho. Mourinho sabia do que os portistas se alimentam e haver alguém que lhes prometia o título dava-lhes duas vantagens. Uma delas era mesmo... festejar o título nacional de novo, no ano a seguir. A outra era ter alguém que culpar se esse título não fosse ganho. Convenhamos que a primeira era bem melhor, mas a segunda também oferecia uma estranha paz. São poucas as vezes na vida que um adepto consegue encontrar razões de jeito para explodir e essa seria uma delas.

Seria, mas não foi. A primeira opção foi garantida com dois bónus. A Taça de Portugal e um título europeu! Para quem atravessou o deserto com Octávio, viu em Mourinho um Deus. O futebol era triturador, assim como as suas frases e mensagens. O treinador gangster tinha razão em tudo, solução para tudo e não tinha medo de nada, nem de ninguém. Com ele no banco tudo era possível, com ele se iria cegamente. Como foi no terreno do Panathinaikos, a fortaleza grega que não conhecia a derrota. Depois do desaire nas Antas, o FC Porto precisava de dois golos para passar. Mourinho foi o primeiro a dizer ao adversário, 'não te rias que isto ainda não acabou', ao que logo os adeptos se seguiram com um contendente 'Nós Acreditam0-2'.

Com Mourinho foi assim, sempre. Missões impossíveis eram vendidas e fortalezas eram ultrapassadas. Se em 2003 foi no Olimpo, em 2004 foi no Teatro dos Sonhos que mais ninguém haveria de meter medo àquela equipa. Na estreia europeia do belo Dragão, Benni carimbou a vitória e em Old Trafford, ele e Costinha, meteram-me a saltar que nem um louco. Nunca se havia festejado um golo assim e só a mera recordação faz as lágrimas virem de novo.

Era tão certo. Milan, Real, Barcelona não estavam. Restava o talentoso mas menos experiente Lyon, o 'maniento' Deportivo e o irreverente Mónaco. Só o Depor esperneou mas não resistiu ao regresso do Ninja. A confiança era avassaladora e fez de todos os melhores do momento. Guiados por um Deco sublime, que acelerava, desacelerava, assistia e marcava. Era a extensão de Mourinho em campo e permitiu-lhe uma circulação de bola que as suas equipas nunca mais tiveram. Sem ele, foi sempre mais italiano, mais matreiro do que dominador. O Mágico preferiu a sua identidade catalã e Mourinho havia de partir os corações azuis brancos rumando ao Chelsea.

A vida é uma lição e os contrários vêm sempre para nos assombrar. Agora, o homem a quem eu tinha chamado tradutor de maneira depreciativa, que me deu depois dois títulos europeus e me ensinou a ver futebol, agora... agora era meu adversário. Aí pude sentir, em breves dois jogos, o que foi ser do Sporting e do Benfica na Era Mourinho. José é arrogante como tudo! Já era, só que para mim aquilo era personalidade, inteligência e outras coisas pintadas de rosa. Em Stamford Bridge cerrou os punhos e festejou qual animal selvagem que não tem dono. Pena de quem acreditou nisso. O coração partiu mas rapidamente sarou, pois Mourinho ainda teria que vir ao Dragão. No golo de Diego, que deu a vitória ao FC Porto, retribuí. Afinal, 'ninguém, ninguém, é melhor que nós no Mundo'. Nem tu, Zé, nem tu!

Os anos passaram e estas histórias deixaram de se repetir na minha cabeça. A mente deixou de ser vingativa e de extremos e passou a andar mais perto do equilíbrio. Hoje já não há ídolos infalíveis, já não há Anjos e Demónios. Há apenas futebol, ideologia e noções de certo e errado. Mourinho ajudou a isso como ninguém. Ele é realmente Especial, mais do que por ser português, mais do que por me ter oferecido o que ofereceu. É genuíno, mantém, e por mais que a sua faceta de actor ainda esteja incontrolável, espero que ele, nos próximos 20 anos que já desejou, cresça. Eu compreendo o Tigre selvagem. Foi assim que teve sucesso, foi assim que em 10 anos ganhou tudo o que havia para ganhar. Para quê mudar?

Mourinho já ganhou Champions, já ganhou Ligas em todos os países importantes da Europa, mas ainda lhe falta algo: assentar com um clube. Está lá, ganha e parte. Não chega a provar a parte preta da bolacha. Come a branca e foge a cada dois, três anos, sem sentir os sabores a serem lentamente fundidos. Quando os indícios são maus, logo o vemos partir para mais Taças e Taças. Para quando dividir o seu génio com um clube e não com projectos fugazes? Só em Inglaterra isso é possível, só em Inglaterra o Tigre acalmará. A maior lição será ganhar sem ser preciso destilar azeite por todos os poros. Não é preciso e, ele, começa a sabê-lo.

Parabéns meu Zé da Europa!

6 comentários:

Miguel disse...

Belo texto Marco!

és cada vez mais dos meus bloggers preferidos!

Marco Morais disse...

Muito obrigado, Miguel =))

Iniesta de Mundet disse...

Excelente posta. Só uma ressalva: o Mourinho nao foi escurraçado pelo Vilarinho. O "special one" demitiu-se (formalmente foi uma rescisao por mútuo acordo) porque o presidente do Benfica nao lhe renovava o contrato, que foi a exigência feita para que continuasse a treinar o Benfica.

Toni já estava contratado para a época seguinte e isso era uma das promessas de Vilarinho, que ajudou a que fosse eleito em vez de Vale e Azevedo.

Marco Morais disse...

Olá Iniesta! Muito obrigado =)

Talvez tenha exagerado. Vilarinho não podia saber e preferiu jogar pelo 'seguro'. Talvez nem a intuição chegasse, quem poderia saber?

Para mim próprio não era mais do que um tradutor. Ainda me lembro bem do dia em que me ri e lhe chamei isso.

Gein disse...

Sim, muito giro, mas a questão que importa é esta:

Quanto tempo é que o Mourinho demora a fazer os 5Km?

:D

Marco Morais disse...

Gein, se for sem pressas, uma hora. Como todo o ser humano normal =P