quinta-feira, abril 6

Autocarros e corações no reino do leão

Não me foi possível dar uma sequência rápida à tarefa a que recentemente me propus, fruto de alguns imprevistos mas, também, à disputa dos quartos-de-final da Liga dos Campeões.

Agora, ultrapassada que está essa eliminatória – com um infeliz desfecho para a equipa portuguesa -, retomo a tarefa.

Se, quando escolhi a referência a Simão Sabrosa, não esqueci, na equipa encarnada, a importância dos centrais, a influência de Leo, o espírito indomável de Petit, o talento de Manuel Fernandes ou a qualidade de Nuno Gomes, a minha opção presente não serve para menosprezar a imperial forma de Ricardo, a eficácia de Tonel, a relevância do contributo de Caneira e Abel, o equilíbrio fornecido por Custódio, o génio de João Moutinho, a irreverência de Carlos Martins ou o incomensurável “factor” Liedson.

POLGA

Anderson Polga foi, durante ano e meio, o alvo preferencial da crítica, fosse ela proveniente da imprensa especializada ou dos próprios adeptos leoninos. Com justificação, foram-lhe apontados erros infantis, foi-lhe atribuída responsabilidade em resultados negativos mas, mais do que isso, foi posta em causa a sua qualidade.

Disse e escrevi, nessa altura, que não seria correcto retirar tais conclusões quando referentes a um atleta que, na sua primeira temporada de verde e branco, evidenciou elevadíssimos níveis de rendimento, com admirável consistência.

Não se trata aqui de avaliar um central com qualidades mas que, obrigado a desempenhar com frequência a função, esbarra repetidamente na impossibilidade de o fazer com rendimento constante. O futebol português é, aliás, pródigo no lançamento de jogadores com essas características: Pablo Contreras e Facundo Quiroga, no Sporting, ou Júlio César, no Benfica, são apenas alguns exemplos de defesas capazes de uma exibição fantástica que, porém, tinha por consequência outras de consecutivos disparates.

Polga provou, na primeira época em Alvalade, ser capaz de render ao mais alto nível, com regularidade. Se, num longo período, pecou por prestações deficientes, este facto apenas pode ser atribuído a factores externos, que a sua entidade patronal terá de tentar debelar.

Hoje, afastados que estão esses factores de instabilidade – que eram, essencialmente, do foro pessoal –, o brasileiro campeão do mundo encarrega-se de demonstrar, semanalmente, aos seus detractores – não é para ser mauzinho, mas o nome de alguns deles está inscrito no canto superior direito desta página -, a superior capacidade para o exercício de tão delicada função.

SÁ PINTO

Noutro plano, é bem conhecido o antagonismo que o comportamento de Ricardo Sá Pinto provocou numa razoável faixa da opinião pública, graças a algumas acções irreflectidas, que mancharam e prejudicaram a sua carreira.

Muitos foram, também, os que se apressaram a dar por finda a sua trajectória profissional, depois de atestarem que o agora capitão do Sporting nunca tinha sido, afinal, um atleta de topo.

Sá Pinto não é, nem nunca foi, um fora-de-série, mas sim um jogador com qualidades técnicas acima da média que, fruto de características psicológicas sem par, concedia incomparável intensidade às formações que representava, sem se negar a produzir reais mais-valias, graças ao talento que também possui.

Sendo o primeiro a criticar uma postura que, por vezes, contrariou o padrão que se exige a um representante de uma entidade de prestígio, sobretudo quando se trata de um atleta profissional, sei que não seria justo definir um homem pelos seus excessos.

Confesso, também, que foi com particular alegria que o vi regressar à competição, pois conheci bem
quanto se sofre quando, por razões de ordem física – leia-se lesões -, todos nos apontam como “acabados”. Afirmo, contudo, que não esperava que o fizesse desta forma.

Aquilo que, ao longo da temporada, alcançou, deve ser motivo de admiração e regozijo, não só para os apaniguados do emblema de Alvalade, mas para todos os amantes do desporto em geral.

No início da presente época, Ricardo Sá Pinto pediu apenas uma coisa: que lhe permitissem, no derradeiro esforço da sua carreira, jogar sem limitações, com dignidade, independentemente das consequências físicas. Fez, ao longo dos muitos meses de competição, um indescritível sacrifício, convivendo diariamente com um joelho maltratado pelo passado, ultrapassando a dor constante com recurso a uma insuperável força de vontade.

Seja qual for o desfecho do Campeonato, Ricardo Sá Pinto vai abandonar o futebol como capitão do seu Sporting, no qual desempenhou um papel importante no plano desportivo, lutando pelo título até ao último instante. É, certamente, a forma que, se pudesse, teria escolhido e, apesar dos erros do passado, sou obrigado a reconhecer que o merece.

Merece-o pela coragem, pela abnegação, pela dignidade, mas, sobretudo, pela capacidade de superação que distingue os vencedores.

JEAN-PAUL LARES

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