terça-feira, fevereiro 7

Hipocrisias

Deixei, propositadamente, que se passassem alguns dias sobre a divulgação da análise positiva de Nuno Assis para aqui exprimir a minha opinião sobre uma matéria sensível, mas fundamental.

Advirto desde já os adeptos encarnados que não é por este caso ter origem na Luz que me pronuncio, até porque, como quem me conhece bem sabe, defendi o mesmo princípio quando Rui Jorge - no Sporting - ou Quim - no Braga - foram alvos de idênticos processos.

Em primeiro lugar, é preciso perceber que o problema tem de ser analisado de forma diferente em sede de modalidades individuais e colectivas.

Depois, é indispensável compreender que não existem - praticamente - quaisquer substâncias proibidas, mas sim quantidades - ou concentrações - proibidas de certas substâncias.

Ao contrário do que sucede nas modalidades individuais, nas quais os atletas mantêm ténues relações com os clubes que representam, nos casos em que estes sequer existem, possuindo antes uma equipa de apoio própria, o recurso ao "doping" reveste-se de características completamente diferentes nos desportos colectivos.

Dizer-se que se pretende combater a proliferação do "doping" no futebol - como no basquetebol, voleibol, andebol, etc. - quando não se realizam testes capazes de detectar a EPO, ou quando insistem em penalizar atletas incautos, que se limitam a seguir as instruções recebidas da sua entidade patronal, é uma hipocrisia com custos elevadíssimos para a verdade desportiva e, sobretudo, para a saúde de centenas de milhares de praticantes.

Em todos os clubes que promovem actividades relacionadas com a alta competição são administrados aos atletas, em conjunto, uma variedade de fármacos, habitualmente anunciados como "suplementos vitamínicos". A ingestão de qualquer medicamento - e, frequentemente, de qualquer tipo de alimento - é condicionada e controlada pelos departamentos clínicos.

O atleta é, invariavelmente, o último a saber quais as substâncias que consome, num meio orientado para os resultados, criado pela única organização capaz de montar um esquema eficiente: o clube. São raros e facilmente identificáveis os casos de - a título de exemplo - jogadores de futebol que recorram a "substâncias proibidas" por iniciativa própria e individual. Ainda assim, quando apanhados nas malhas do controlo, protestam inocência mas submetem-se ao castigo, muitas vezes com a consolação de uma compensação "oficiosa" por parte da entidade patronal.

Enquanto, nestas modalidades, continuarem a penalizar os atletas, patrocinando, simultaneamente, a impunidade dos clubes, nada vai mudar e o combate ao "doping" não passará de uma farsa.

Em mais de 15 anos como atleta, posso garantir que nunca tomei, conscientemente, nenhuma substância capaz de beneficiar artificialmente o meu rendimento desportivo mas, infelizmente, não posso assegurar que nunca tenha consumido nenhuma. Como eu, estará a esmagadora maioria dos futebolistas acusados nos últimos anos.


JEAN-PAUL LARES

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