quinta-feira, março 23

Os grandes e os pequenos

No desporto, como, aliás, na vida, há vários tipos de pessoas, mas, invariavelmente, aquelas a quem a História dedica especial destaque são as que alcançaram o sucesso.

Esse legado está, contudo, condicionado pela forma como os mais elevados patamares foram atingidos. Excluindo aqueles que, à custa de um talento único e excepcional, conquistaram um posto que não depende do seu comportamento extra-desportivo – casos, por exemplo, de Maradona ou Pelé – os grandes do desporto usufruem de um estatuto concedido pela nobreza de carácter evidenciada no exercício da actividade que os notabilizou.

Ainda bem, pois é assim que deve ser. É nas decisões dramáticas, nos maus momentos, mas, sobretudo, nos bons, que se define o carácter das verdadeiras lendas.

Ninguém poderá esquecer a imagem de Eusébio, aplaudindo e cumprimentando Vítor Damas depois deste ter defendido de forma brilhante um remate seu, pois são essas atitudes que enaltecem os mais louváveis valores da prática desportiva, transformando uma actividade outrora apenas lúdica num fenómeno social relevante e… moralmente saudável.

Todos deveríamos recordar e divulgar o abraço comovido de Earvin “Magic” Johnson ao seu amigo e rival, Isaiah Thomas, que chorava compulsivamente, quando os Lakers do primeiro bateram, pela segunda vez seguida, os Pistons do segundo na final da NBA, ou os recíprocos elogios - complementados pela forma nobre e elegante que marcou os seus eternos confrontos - com que Pete Sampras e Andre Agassi sempre conduziram uma das mais fervorosas rivalidades da história do ténis.

Ora, se o espírito vencedor e a insuperável competitividade de Vítor Baía são qualidades que há muito admiro no guardião portista, os títulos por ele conquistados, embora merecedores de louvor, não o colocam no mesmo patamar de Maradona. Muitos são os factores que poderiam contribuir para que o seu legado fosse sólido e impoluto, mas creio que, para o julgamento da História, o carácter desempenha um papel fundamental.

Ontem, no Estádio do Dragão, Ricardo preparava-se para bater o quinto pontapé da marca de grande-penalidade pelo Sporting, numa altura em que os azuis e brancos venciam por 5-4. Baía, depois dos aceitáveis e compreensíveis “jogos psicológicos”, apercebendo-se de que nenhum oficial do jogo se encontrava por perto, insultou o seu rival e lançou-lhe a bola para a cara. Não se tratou, nem de perto nem de longe, de uma agressão, apenas de um gesto que teve tanto de provocador, ordinário e deselegante como de… desnecessário.

Numa noite que poderia ter lugar no vasto leque de grandes momentos do camisola 99, fica uma mancha que muito diz sobre o seu carácter – e sobre certas opções que o envolvem… ou não. Para mim, mais importante do que saber perder continua a ser saber ganhar mas, acima de tudo, a forma como se ganha.

O que Vítor Baía teima em não perceber é que não chega ser grande por fora quando se é mesquinho por dentro.

JEAN-PAUL LARES

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