quarta-feira, março 29

Simão Sabrosa

Agora que está concluída a primeira mão dos quartos-de-final da Liga dos Campeões - cuja análise se pode ler nos posts anteriores - vou dedicar-me a um exercício que me parece interessante. O "timing" da opção está relacionado com o encontro ontem disputado mas, sobretudo, com a vontade de iniciar o "esforço" antes das fundamentais decisões do Campeonato que, facilmente, poderiam influenciar as análises de toda uma época.

Proponho-me a destacar alguns elementos cujo desempenho tem sido fundamental para as equipas que representam, valorizando circunstâncias particulares acima do interesse óbvio ou mediático que o estatuto de alguns garante, mesmo se a minha opção de abertura pode parecer demasiado fácil ou evidente.

Escolho, para arrancar com esta série, um atleta do Benfica que, embora seja, à partida, a opção mais evidente, surge neste lote pelo invulgar contexto que envolve a apreciação do seu rendimento na presente temporada.

Confesso, desde já, que não sou um particular apreciador da personalidade de Simão Sabrosa, com quem mantive contacto profissional durante o período dedicado ao acompanhamento do Benfica. Estou, por isso, inteiramente à vontade para manifestar a minha opinião.

Independentemente dos defeitos que lhe possam ser atribuídos, é indiscutível que, desde a sua chegada à Luz, teve uma influência impar em todos os sucessos da equipa encarnada, assumindo-se como principal fonte de desequilíbrios de uma formação – numa fase inicial - francamente limitada, sem fugir às responsabilidades quando esta se transformou numa legítima candidata à discussão dos principais troféus.

Sem ter no drible uma arma fundamental – tal como sucede com João Vieira Pinto, por exemplo -, Simão faz das mudanças de velocidade e direcção uma arma letal apontada à baliza adversária mas, sobretudo, assenta o seu estatuto num espírito competitivo que lhe permitiu evoluir, mesmo quando já não possui a superioridade física manifestada no período de afirmação internacional. É isso que o distingue dos demais.

O Simão que hoje lidera o Benfica fá-lo sem dispor da “sexta velocidade” que, em 2001-02, lhe permitia uma supremacia absoluta sobre os marcadores directos, pois soube – algo que está ao alcance de poucos – superar as limitações impostas pelo desgaste e pelas lesões, apurando outras características determinantes.

Pode até ser que chame a si um protagonismo excessivo, mas é certo que ninguém como ele garante, repetidamente, os resultados que se exigem ao actor principal de um argumento complexo.

Com uma carreira internacional prejudicada por uma infeliz aventura no Barcelona, onde só a teimosia – a roçar o autismo - de Van Gaal o impediu de triunfar – numa equipa órfã de extremo esquerdo, estava limitado a um pequeno rectângulo no flanco direito, quando qualquer observador medíocre sabe que é na ala oposta que se destaca, tal como Overmars, outro dextro de características equivalentes que o holandês tinha obrigação de conhecer -, Simão Sabrosa enfrentou na Luz o estigma que qualquer atleta oriundo do emblema rival carrega e, porém, cedo se tornou no principal símbolo da renovação encarnada.

Foi, na presente temporada, sobejamente criticado pelo rendimento evidenciado, contudo, que ninguém tenha dúvidas: o Benfica pode ganhar quatro jogos sem ele, mas a sua ausência marca a diferença entre um conjunto quase banal e um adversário temível.

Hoje, como ontem, é uma referência incontornável da competição nacional e seria, no mínimo, desonesto que não fosse reconhecida a sua contribuição decisiva para alguns dos mais importantes momentos do futebol português.

Terão existido momentos mais fáceis para o elogio, mas não posso deixar de manifestar a minha admiração por quem, sem deixar de focar o interesse em si próprio, o adaptou à ambição de vencer.

Não se esqueçam disso os benfiquistas, que tanto lhe devem.

JEAN-PAUL LARES

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