terça-feira, janeiro 17

Encruzilhada na vida do leão

A inexorável aproximação do próximo acto eleitoral destinado a escolher o elenco directivo do Sporting provocou desenvolvimentos significativos no posicionamento de eventuais candidatos à presidência do clube.

Mais do que discutir pessoas, as mais recentes novidades aconselham a um verdadeiro debate sobre o rumo a seguir pelos leões nos próximos anos.

Parece-me que os temas lançados para a discussão nos últimos dias são essenciais e obrigam os adeptos verde e brancos a tomar decisões fundamentais para o futuro do seu emblema, decisões essas que ultrapassam a identidade dos dirigentes a eleger.

Em primeiro lugar, reafirmo aqui a minha posição sobre um conjunto de critérios que considero fundamentais para o desenvolvimento, crescimento e credibilização do futebol português. Esta opinião não se esgota no Sporting, é extensível a todos os clubes nacionais e obedece àquilo que entendo ser indispensável para a positiva evolução de uma actividade à qual também estou ligado.

Mais do que nunca, como o descalabro financeiro de Setúbal, Marco, Ovarense, Salgueiros ou Felgueiras - entre muitos outros cujas dificuldades não são ainda do conhecimento público, mas existem - deixou bem claro, é indispensável que os clubes sejam capazes de adequar a sua estrutura de custos à realidade económica actual, ou seja, à sua capacidade de gerar receitas.

Reconhecendo que o Sporting foi pioneiro na tentativa de introduzir parâmetros racionais e rigorosos de gestão na condução da sua actividade - pese embora alguns desvios no caminho que, em 1995, foi iluminado por José Roquette -, importa, no meu entender, garantir que essa continuará a ser uma prioridade dos futuros dirigentes.

As organizações com genuína implantação a nível local e nacional são financeiramente viáveis - no que à exploração diz respeito -, observação que ganha dimensão mais significativa quando nos concentramos em Sporting e Benfica - deixo de fora o FC Porto, propositadamente, não por que não se inclua neste lote, mas porque está envolto numa conjuntura diferente.

Os grandes de Lisboa teriam condições para exercer a sua actividade de forma extremamente lucrativa, não fosse o pesado fardo que os compromissos financeiros - leia-se dívidas - os obrigam a suportar.

Assim, sempre estive de acordo com os princípios enunciados no projecto habitualmente denominado por "Projecto Roquette", mais tarde aperfeiçoado, em alguns parâmetros, pelo seu sucessor, Dias da Cunha. O fundamental para o futuro de um clube passaria pela criação de património e, sobretudo, pela regularização - no caso do Sporting o termo "saneamento" não me parece deslocado - da situação económica e financeira.

O peso dos juros resultantes dos compromissos financeiros compromete à partida uma enorme fatia das receitas geradas, limitando de forma avassaladora a capacidade de gestão e investimento dos leões. Acredito que qualquer projecto de futuro tem de contemplar a necessidade de, a prazo, eliminar este fardo para que, aí sim, se possa encarar a actividade na perspectiva do crescimento/investimento. Era também essa a visão de Dias da Cunha.

Tomando como fundamental e inviolável - por isso mais importante que tudo o resto - este princípio, é, contudo, inevitável referir as lacunas verificadas na implantação do "Projecto Roquette".

Antes de mais, a articulação de uma estrutura de gestão pouco adaptada a uma actividade tão particular como o futebol com as necessidades desportivas de uma competição exigente foi sempre deficitária, sem que nunca se tivesse encontrado um modelo capaz de garantir total eficácia na tarefa. Depois de tentativas várias, que passaram por homens do futebol e adaptações de gestores profissionais, ficou sempre a sensação de que a separação de conceitos obstava à convivência saudável. O melhor exemplo do que afirmo é a constatação dos inúmeros problemas "políticos" que afectam o final de cada época, com consecutivas convulsões directivas, a vários níveis, mesmo quando o sucesso desportivo havia sido alcançado.

O segundo fracasso não poderá ser inteiramente imputado aos intérpretes por ser, fundamentalmente, de natureza conjuntural. Roquette acreditava que, ao abordar outras áreas de negócio - que iam do imobiliário à "nova economia" -, poderia encontrar fontes de receitas alternativas capazes de permitir, simultaneamente, maior investimento na equipa de futebol e saneamento financeiro. Com a alteração da conjuntura económica - nacional e internacional -, o sector multimédia soçobrou e é, hoje, um mercado vazio de interesse ou investimento. Assim, a vasta estrutura montada para a expansão das actividades do universo leonino tornou-se num "peso-morto", que só recentemente foi alvo do devido "emagrecimento".

Agora, importa certamente ponderar sobre o conjunto de novos conceitos apresentados por Filipe Soares Franco - até agora o único dos potenciais candidatos a expressar qualquer ideia digna desse nome relativamente ao caminho a seguir.

É, portanto, sobre esse conjunto de propostas recentemente enunciadas que me posso pronunciar, uma vez que, insisto, nenhum dos outros interessados avançou as suas linhas de orientação.

Sem, aparentemente, renunciar ao princípio que considero fundamental, o actual presidente propõe uma concentração de energias na actividade para a qual o Sporting está naturalmente vocacionado: o futebol, ou, como recentemente corrigiu, o desporto, nas modalidades fundamentais.

Para tal, Soares Franco preconiza a alienação do património imobiliário que não está directamente relacionado com a actividade desportiva - aqui não há ruptura com o "Projecto" anterior, pois o investimento nesta área sempre teve os proveitos financeiros como fim último -, com o objectivo de realizar mais-valias que permitam minimizar os custos referentes ao passivo e - uma novidade que me surpreendeu -, simultaneamente, a criação de novo património desportivo: um pavilhão, piscinas e, até, uma pista de atletismo.

Confesso que não fico chocado com esta possibilidade pois, perante a natural falta de vocação para certas áreas de negócio, será mais vantajoso privilegiar o encaixe financeiro do que tentar criar estruturas de gestão eficaz.

A proposta que, contudo, terá de ser objecto de profunda reflexão entre os apaniguados do emblema do leão está relacionada com o reformular da mentalidade que preside à vida desportiva do clube. Soares Franco acredita que a especialização é o melhor caminho para o sucesso e que, para tal, o futebol deve reunir todos as energias - anímicas e financeiras - da estrutura verde e branca. Mesmo se o discurso foi, nos últimos tempos, suavizado, é essa a sua posição quanto à melhor forma de alcançar o sucesso.

O que os sócios e adeptos do clube têm de discutir e, posteriormente, decidir, é o que estão dispostos a fazer para vencer no futebol.

Sendo certo que também considero que será sempre mais difícil para o Sporting competir com os seus rivais enquanto tenta manter diferentes actividades, a verdade é que, em Portugal, os clubes de dimensão nacional têm a tradição de desempenhar importantes tarefas sociais e desportivas que vão para além das competições profissionais e, nomeadamente, do futebol.

Claro que, para já, não está em causa a dedicação em exclusivo, nem sequer o fim das diversas modalidades que se sustentam a si próprias, mas a alteração de postura perante o desporto não pode deixar de ter consequências na forma como o Sporting interage com a sociedade.

Confesso que, numa altura em que ainda aguardo um debate alargado sobre o tema, bem como uma maior clarificação dos projectos futuros, não tenho ainda uma posição definida sobre esta matéria, apenas uma boa noção das vantagens e inconvenientes de cada alternativa. De qualquer forma, e em última instância, terão sempre de ser os sócios do Sporting a decidir como pretendem que o seu clube viva os próximos 100 anos, caminho que os próximos meses podem ajudar a traçar.

Importante será também perceber quais os modelos para a gestão do futebol que podem vir a ser apresentados, persistindo, até ao momento, a incógnita em torno das ideias dos diversos candidatos. Mesmo com a garantida aliança entre Soares Franco e Miguel Ribeiro Telles, não e ainda possível perceber que atribuições e influência este último está disposto a assumir.

Até que seja possível traçar um quadro claro das alternativas, aproveitem os adeptos leoninos para reflectir e debater sobre aquele que acreditam ser o melhor caminho.

JEAN-PAUL LARES

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