(Peço antecipadamente desculpa pelo tamanho do post mas, como há muito não dava notícias e o Sector me paga ao caracter, tenho de tentar compensar a tempo de tapar o rombo que o Natal provocou na carteira.)
No início de 1979, a NBA (National Basketball Association) não passava de uma liga secundária no panorama americano, cuja popularidade e implantação estava longe de ombrear com a de outras organizações, ligadas a outras modalidades. Hoje é um negócio de milhões, implantado à escala planetária.
A mudança deveu-se à extraordinária visão de David Stern que, desde então, governa os destinos da Liga, mas também a um factor humano invulgar: a chegada de Earvin "Magic" Johnson e Larry Bird à competição. A rivalidade entre estes impulsionou a NBA para o topo do mercado americano, algo que o surgir de Michael Jordan só veio a amplificar no final da década.
De que é que eu estou a falar? É simples: os norte-americanos são o perfeito exemplo do cultivar das personalidades, dos símbolos e, sobretudo, do respeito pelo sucesso. Basta observar de forma superficial a forma como tratam quem contribuiu para uma organização para perceber que a mentalidade é diametralmente diferente da nossa e... resulta.
Quando, já no início da década de 90, "Magic" Johnson foi obrigado a retirar-se em virtude de ser portador do vírus HIV, foi-lhe dedicada uma cerimónia, durante a qual, como é hábito com os grandes jogadores, foi retirada a sua camisola, para sempre pendurada no tecto do pavilhão. Ao seu lado - apenas para dar mais um exemplo da diferente abordagem cultural - estava o rival de sempre, Larry Bird. Entre os dois disputaram a atenção nacional durante o liceu, o título na universidade, o prémio de "Rookie" do ano e quase todos os títulos da NBA da década de 80, estando reunidas todas as condições para uma sincera animosidade mútua. Em vez disso, Bird fez questão de estar presente no adeus do "inimigo", revelando ao público de Los Angeles os seus sentimentos. "Nunca houve outro igual. Se me tornei bom, foi graças a ele, pois obrigava-me a tentar ser melhor, todos os dias, para poder competir com ele. É o melhor que já vi e, se não tivesse o privilégio de ter esta profissão, pagava bilhete só para o ver jogar", afirmou, então, Larry Bird. Meses depois "Magic" retribuiria a presença e o discurso semelhante na cerimónia dedicada ao rival.
E tanta conversa para quê? Porque estas atitudes VENDEM e DÃO DINHEIRO!
"Magic" Johnson nunca foi o jogador com o salário mais elevado dos Lakers, pelo contrário, todas as temporadas acabava por abdicar de parte do seu ordenado para que a equipa - limitada pelo "salary cap" - pudesse contratar melhores jogadores. Quando o contrato chegou ao fim, ou melhor, quando "Magic" se retirou, a ligação de mais de 13 anos aos Lakers podia também ter terminado. Mas não, não neste filme. O camisola 32 transformou os LA Lakers numa empresa multimilionária, numa organização de sucesso. Em troca, estes não o dispensaram, não olharam para o outro lado nem contrataram... Edson... Ofereceram-lhe, em troca dos serviços prestados, uma gigantesca fatia das acções da equipa, no valor de milhares de milhões. E, acreditem, o homem já não tinha problemas financeiros.
Claro que, antecipando o argumento óbvio, são muito poucos os que atingem o patamar de sucesso de Larry Bird ou "Magic" Johnson, são raros os que possuem as características pessoais destas duas lendas. Mas, entre todos cujas camisolas pendem dos tectos dos pavilhões americanos, estarão grandes atletas e homens menores. É o conjunto de todos eles que permite que surjam os maiores, é o respeito por aquilo que cada um fez que separa o negócio mesquinho de uma actividade de sucesso, apoiada na sua história.
Cansado de pregar no deserto sobre esta matéria, continuo a assistir à incapacidade que o desporto nacional - e o futebol em particular - revela para cultivar o valor dos seus praticantes como alavanca das suas organizações. Mas, dizem-me, isto é um negócio e não há lugar a emoções. Temos de ser racionais.
Infelizmente, a resposta é óbvia mas, pelos vistos, difícil de compreender: que vende o desporto senão emoções?
Quem lê o que habitualmente escrevo está habituado à minha defesa da gestão racional dos clubes de futebol, da necessidade de adequar o volume do negócio à realidade da actividade - gastar menos em transferências e salários -, da obrigatoriedade de transparência nas contas para garantir a leal concorrência...
Perceber que são as emoções o principal produto da actividade de um clube é um acto básico de gestão... racional. Perceber que é importante manter elementos que contribuam para uma fácil identificação entre o "produto" e o "target" deveria estar ao alcance de qualquer aprendiz na área do "marketing".
Para honrar uma organização com história e garantir o seu futuro é necessário respeitar o passado. Para o fazer, dia a dia, com sucesso, é preciso saber orientar uma transição digna entre passado, presente e futuro.
Os clubes portugueses são pródigos no negligenciar dos seus ídolos quando se aproxima o final do "prazo de validade" - excepção feita ao FC Porto, na maioria dos casos, o que explica muito do sucesso alcançado nos últimos 20 anos - mas, de entre eles, há um que insiste em se destacar.
Vítor Damas, Manuel Fernandes, Pedro Venâncio, Oceano, Carlos Xavier, Cadete, Pedro Barbosa, Rui Jorge ou... Beto são apenas alguns dos nomes que o Sporting fez por esquecer no momento de decidir. Pouco importa se todos são, ou foram, grandes jogadores, se são, ou foram, grandes líderes ou, sequer, boas pessoas. Ao afastá-los pela porta pequena, o Sporting está a afastar os seus sócios e adeptos - os "clientes" do seu "produto" - e todos os atletas que, um dia, poderiam tomar atitudes em favor da organização.
Acreditamos todos que Vítor Baía, Secretário e Paulinho Santos sejam modelos de comportamento, atitude e liderança? Acreditam muitos porque o FC Porto assim o quis, e bem!
Se já não é novidade que o Sporting teima em não perceber a importância de criar figuras que marquem o imaginário - e, sem manchas, a memória - dos adeptos, há algo que me custa a entender: Paulo Bento que, há apenas dois dias, pôs em causa a política de gestão da SAD leonina - "De uma vez por todas, o Sporting deve ficar com jogadores que estejam aqui com prazer, e não abdicar de jogadores, como tentou fazer, que gostam de estar, que queriam estar aqui, que sentem realmente o clube. Esses é que são importantes. Mesmo quando passamos por situações adversas e difíceis" - mudou de ideias ou Beto, afinal, não é destes? Afinal, o capitão era dos que não estavam com prazer, não sentiam o clube ou não queriam estar ali?
Não sei nem me interessa o que motivou o diferendo entre técnico e jogador mas, se acredita nas palavras que proferiu - e acho que acredita - Paulo Bento deveria ter consciência da importância da permanência de Beto e para isso deveria ter tentado contribuir. Mesmo que, em última instância, Beto tivesse vontade de sair, como outras vezes sucedeu no passado.
Numa altura em que muitos dos objectivos da temporada estão já comprometidos, o Sporting abdica do único elemento - a par de Sá Pinto, que já anunciou a retirada para o final da época - capaz de fazer a ligação entre o passado e o presente do clube - aos olhos de quem compra os bilhetes e as camisolas -, prescindindo, simultaneamente do seu - no meu entender - melhor central.
Gestão racional...
JEAN-PAUL LARES
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